Os desafios (diversos) de criar um negócio ecológico – Exame Notícias

Publicado em 13/10/2022 às 11:40.
Última atualização em 14/10/2022 às 12:56.
Depois de ministrar o curso online Formação em Negócios Ecológicos, no qual orientou mais de 80 empreendedores, a maioria brasileiros, focados em desenvolver negócios verdadeiramente sustentáveis, e de ela mesma empreender uma empresa ecológica – a primeira loja lixo zero do Brasil (que não está mais em operação), a geógrafa paulistana Lívia Humaire lança agora o livro “Negócios Eco-lógicos na Era do Greenwashing”, pela Bambual Editora.
A experiência prévia como mentora, consultora e empreendedora ajudou no desenvolvimento do livro, que, segundo ela, serve como um guia para quem deseja criar um projeto ecológico do zero ou mesmo redirecionar algum já existente.
Há três anos vivendo na cidade de Basel, na Suíça, Lívia explica, nesta entrevista à EXAME, o que define um negócio ecológico, fala do desafio da precificação desse tipo de empresa e analisa como anda o desenvolvimento desse tipo de empreendimento no Brasil e no exterior.
O que tenho estudado e observado é que negócios que chamo de ecológicos necessariamente incluem cinco fundamentos: 
Um ótimo exemplo desse último fundamento é o que está acontecendo agora com as empresas de compostagem de resíduos orgânicos no Brasil. Mais de 80 delas estão conduzindo, junto com uma maior consciência da população e outras partes interessadas, uma mudança no sistema de descarte desse tipo de resíduo. Leis estão sendo aprovadas em diversos municípios iniciando uma mudança estrutural na destinação dos resíduos orgânicos para sistemas de compostagens industriais.
(Livro negócios Eco Lógicos/Divulgação)
Sim, infelizmente isso acontece. Basicamente existem três tipos de empresas quando o assunto é a prática do greenwashing:
Posso citar exemplos de greenwashing que estão ocorrendo de forma bastante corriqueira no nosso dia a dia e que as leitoras e leitores devem estar familiarizados.
O tal do “carbono neutro” virou uma febre não apenas nacional, mas global. Está por toda a parte! No entanto, esse “rótulo” de sustentabilidade, que chama bastante atenção do consumidor final, não passa de uma estratégia de “marketing verde” que na prática não resolve nada do nosso problema em relação às mudanças climáticas e à crise ecológica. Mas vemos facilmente todos acreditando que comprar produtos “carbono neutro” é “fazer a nossa parte” diante do gigantesco problema socioambiental que estamos vivendo. 
Um bom exemplo para elucidar isso são os óleos automotivos lubrificantes que têm estampado em suas embalagens a frase “carbono neutro”. Não existe nenhuma chance de um produto desses, advindo do petróleo, conseguir “se tornar” carbono neutro, isso porque o carbono advindo desse lubrificante automotivo jamais seria lançado à atmosfera se não fosse a ação humana, e nesse caso compensar um carbono desse tipo plantando árvores não é compensação e sim enganação. Essas são as próprias palavras do Carbon Market Watch, para citar apenas uma das milhares de fontes sérias sobre o assunto. Precisamos combater essa prática, principalmente para que as pessoas sejam mobilizadas para ações realmente efetivas, e não maquiadas.
Uma das maiores dificuldades dos negócios ecológicos é a precificação. Eu tive muita dificuldade [fundei a primeira loja lixo zero do Brasil, que hoje já não existe mais] e vejo diversos empreendedores passando pelo mesmo.
É importante entender que os negócios que internalizam (consideram em todo o seu modelo de negócio) as questões sociais e ambientais de forma estrutural, diferentemente dos negócios convencionais, terão produtos e serviços com preços mais elevados em comparação a produtos da mesma linha, de um negócio convencional. 
Esse é um ponto nevrálgico para a sustentabilidade dos negócios que poucas pessoas debatem. O debate comum é de que a sustentabilidade precisa ser acessível. E vou além, depois de ter vivenciado na pele o que é manter um negócio em pé que contabiliza danos ambientais e impacto social positivo: a sustentabilidade não consegue ser mais acessível, isso é o que realmente não é sustentável, pois é impossível concorrer com produtos feitos de forma despreocupada socioambientalmente.  
Para resolver essa equação precisamos pensar em aumentar renda e salários para que as pessoas possam acessar produtos e serviços melhores e mais duráveis. Quando digo que a sustentabilidade precisa implicar na dimensão social, essa é uma das questões que precisamos debater e trabalhar.
Um exemplo que vejo acontecer no Brasil é o movimento da cosmetologia natural. A pequena empresa de cosméticos sólidos, que utiliza as matérias-primas de uma cooperativa de mulheres da Amazônia, que escolhe a embalagem cartonada e de papel para comercializá-los, que paga salários justos, não vai ter o mesmo preço que o xampu sólido de uma grande indústria.
Outro ponto importantíssimo: as grandes empresas nunca se mexeram para entregar produtos sólidos (mesmo já existindo tecnologia para isso) para o consumidor final. Esse trabalho foi duramente puxado por pequenas e comprometidas empresas artesanais de cosmetologia natural no Brasil. Depois de uma parcela significativa de consumidores finais adeptos a tais produtos, essas empresas passaram a ofertar produtos similares no mercado com preços muito abaixo do que as empresas artesanais, prejudicando fortemente pequenas empresas que provocaram e desenharam novas cadeias produtivas de cosmetologia limpa para o planeta e pessoas. Sem elas, as grandes jamais se moveriam nessa direção.
Esse movimento é observado não apenas no Brasil, mas em países da Europa.
Vejo que o Brasil tem um enorme potencial para negócios ecológicos, tanto do ponto de vista do impacto social positivo quanto da redução do impacto ambiental negativo. Por outro lado, pouquíssimo incentivo na estrutura política existe para negócios que são verdadeiros agentes de mudanças como esses, e isso acaba sendo um entrave perigoso, pois com negócios “desprotegidos” legislativamente falando, poucos conseguem gerar maturidade financeira e sobreviver. Apesar desse cenário, mesmo com a pandemia, é possível enxergar avanços e interesse crescentes sobre negócios melhores para as pessoas e para o planeta no país. Tenho acompanhado de perto esse movimento por todo o Brasil. Os empreendedores precisam de apoio para continuar a jornada, e também de incentivos fiscais. 
Em outros países, se estivermos falando dos países ditos “desenvolvidos”, existe estrutura de políticas públicas que apoiam essas iniciativas e, portanto, alcançam certa robustez, mais rapidamente quando comparados com o Brasil. Contudo, do ponto de vista da ampliação do impacto social positivo, a maioria fora está engatinhando. Eles vão muito bem no primeiro fundamento – reduzir impacto ambiental negativo – mas no fundamento 2 há poucos negócios que realmente têm essa preocupação. 
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