Diversidade na tecnologia, sinônimo de inovação – JOTA
Representatividade
Entre os desafios da área está trazer mais mulheres. Empresas apostam em vagas afirmativas para grupos desfavorecidos
Este texto foi elaborado e/ou editado pelo patrocinador.
A arquiteta de soluções em nuvem Danielle Monteiro foi parar na área de tecnologia por acidente de percurso. Tinha o sonho de ser fisioterapeuta, mas, por falta de condições financeiras dos pais para ajudá-la a pagar uma instituição privada, foi cursar Tecnologia da Informação (TI) na Faculdade de Tecnologia (Fatec), do estado de São Paulo, onde havia passado no vestibular. “Confesso que o curso me atraiu mais pela questão monetária”, diz Monteiro.
Em uma turma de 50 alunos, apenas seis eram mulheres. Ela era a única negra. Monteiro conta que, embora conseguisse ingressar em diversos estágios durante o curso, era complicado se manter. “Era difícil aguentar as piadas, que eram ‘aceitáveis’ quando comecei a trabalhar, há cerca de 20 anos. Não tinha acolhimento algum”, explica. “Viravam para mim e diziam: ‘se não aguenta, não trabalha com TI’.”
A virada na carreira ocorreu quando ela passou a trabalhar com banco de dados, um campo em que teve destaque. Ela fez mestrado na área na Universidade de São Paulo (USP) e recebeu prêmios e convites para realizar palestras no Brasil e no exterior. “Encontramos mais dificuldades por ser mulher e negra, mas precisamos achar o nosso lugar. O meu foi trabalhando com dados”, destaca Monteiro.
Há dez meses, ela começou a trabalhar na Microsoft e diz que, pela primeira vez em toda trajetória profissional, sentiu-se completamente acolhida. “Lá temos grupos de diversidade de todos os tipos e temos total liberdade de estarmos nos que fazem sentido para a gente”, relata.
As mulheres negras, embora representem mais de um quarto da população brasileira (28%), ainda são minoria nas empresas de tecnologia no país e ocupam apenas 11% dos cargos no setor, segundo dados levantados pela iniciativa PretaLab, hub de talentos negras para o setor de tecnologia.
Consciente desse desafio, Monteiro, que possui quase 15 mil seguidores no LinkedIn, é uma voz para inspirar e incentivar outras mulheres negras a ingressar na área tecnológica. “A diversidade, principalmente na tecnologia, é essencial. Na análise de dados, precisamos de visões diferentes para entregar os melhores serviços, irmos além do esperado e trazermos mais resultados para os negócios”, destaca.
Renata Fagundes, consultora em Gestão da Diversidade e Inclusão do Serviço Social da Indústria (SESI) no Paraná, destaca que, com o domínio de homens na área de tecnologia, passou-se a construir uma cultura corporativa masculina na área, o que dificulta o ingresso de outros perfis profissionais. Na Oracle e em outras empresas de tecnologia, para permitir o acesso de mulheres nesse mercado, criaram-se as “vagas afirmativas”, em que se dá preferência à contratação de mulheres caso elas atendam aos requisitos e estejam no mesmo nível de seus concorrentes.
A consultora destaca que a tecnologia precisa “conversar” com múltiplos usuários, com perfis diversos. “Além disso, a diversidade promove a criatividade e a inovação por permitir o compartilhamento de diferentes experiências de vida”, afirma Fagundes.
Daniele Botaro, líder de Diversidade e Inclusão da Oracle na América Latina, conta que antes a empresa vendia bancos de dados para poucas empresas e que hoje os clientes são diversos, com diferentes características físicas e econômicas. “Se contemplarmos em nosso quadro pessoas com idades diversas, com deficiência, entre outras características, mais gente será beneficiada com nossos produtos.”
Fagundes defende que, para garantir que profissionais mais velhos permaneçam na área de tecnologia, é fundamental a contínua capacitação dos trabalhadores ao longo da trajetória profissional. Ela afirma que isso é papel das empresas e, em alguns casos, envolve investimentos em adaptações físicas e tecnológicas, que servem também para profissionais com deficiências.
“É um esforço que vale à pena quando se pensa nas soft skills que profissionais mais velhos desenvolveram com as experiências de vida, além da formação técnica”, destaca Fagundes.
A diversidade na área tecnológica também precisa ser pensada em relação a diferentes formações. Botaro conta que na Oracle há grande incentivo a projetos interdisciplinares e um dos programas de bolsas para formação de mulheres em tecnologia da empresa, o Oracle Next Education (ONE), começou na área de Marketing e não na área de educação, onde seria mais natural de ocorrer.
“Em pesquisa de clima, fica claro que para retermos profissionais das gerações Z e Millenium, precisamos ter projetos extracurriculares, para eles irem além do que foi contratado”, relata Botaro. Segundo ela, o principal fator para fazer com que pessoas diferentes tenham prazer em trabalhar juntas é o propósito do resultado.
Engana-se quem pensa que a tecnologia sempre foi dominada por homens. O primeiro algoritmo processado por uma máquina foi desenvolvido no século XIX por uma mulher: a matemática Ada Lovelace, conhecida como a primeira programadora de toda história.
Além disso, na década de 1970, as mulheres eram maioria nos cursos de Ciência da Computação. Nessa época, no Instituto de Matemática e Estatística da USP (Universidade de São Paulo), 70% dos alunos do curso de Ciências da Computação eram mulheres. Em 2021, elas eram apenas 11,6%.
A redução de mulheres nos cursos de ciência da computação começou a ocorrer na década de 1980, com o surgimento do computador pessoal (PC). Isso porque, antes dele, o computador era uma grande máquina de realizar cálculos e processamento de dados, atividades associadas à função de secretariado, predominantemente feminina. Com a popularização do uso dos computadores, cresceu a finalidade lúdica dos jogos, passando a atrair mais homens para a área.
A engenheira Silvia Coelho, fundadora do Elas Programam e Top of Voice no LinkedIn 2022, com mais de 17 mil seguidores na rede social, destaca que as meninas passaram a ser menos estimuladas às carreiras de tecnologia pela criação de estereótipos de que os homens são melhores na área de exatas. “Isso mina a confiança das mulheres, que passam a acreditar que não são capazes”, diz.
Sergio Paulo Gallindo, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), diz que é comprovado que não há diferença de aptidão natural entre meninos e meninas nem de raça para as exatas. “Uma hipótese para que meninas e outras minorias desistam de ir para a área tecnológica é consequência de uma jornada de bullying muito comum no ensino médio, momento que escolhem a profissão”, afirma Gallindo. “Trabalhar nos aspectos biopsicossociais é fundamental para mudar esse cenário”.
Silvia Coelho conta que até o fim da graduação vivia numa bolha, não percebia o preconceito com as mulheres na área. Porém, quando ingressou no mundo do trabalho, percebeu que as oportunidades de crescimento na carreira eram bem maiores para os colegas do sexo masculino. “Pelo fato de eu ter filhos, fui ainda mais excluída do processo a ponto de a situação tornar-se insustentável e eu largar o emprego. A maternidade me tirou do jogo”, declara.
Relatório de Ciências da Unesco 2021 mostra que as mulheres são minoria em cargos de liderança em empresas de tecnologia e a sensação de não serem valorizadas é o principal motivo de deixarem seus empregos. Além disso, elas enfrentam mais dificuldades para obter financiamento quando começam seu próprio negócio. Em 2019, apenas 2% do capital de risco, em que investidores aplicam recursos em empresas menores, foi direcionado para startups fundadas por mulheres.
Pesquisa da Brasscom realizada entre 2018 e 2019 com 845 mil profissionais que trabalham em empresas de software, hardware, serviços e comércio de tecnologia mostrou que 37% eram homens brancos ou asiáticos, 22% mulheres brancas ou asiáticas, 19% homens negros ou indígenas e 11% de mulheres negras e indígenas.
Gallindo destaca que nas áreas mais tecnológicas os homens brancos chegam a ocupar 75% das vagas de emprego. “Isso é uma perda de oportunidade para o país em geral e para cada indivíduo que não se vê no setor de alta tecnologia, mesmo tendo as aptidões necessárias”, diz.
Daniele Botaro, da Oracle, afirma que, no Brasil, há uma cultura enraizada de dependência de “alguém para fazer as coisas”, como cuidados da casa e dos filhos. “E isso pesa mais sobre as mulheres, sobretudo, para as mães”, diz Botaro. “É difícil ver mulheres na tecnologia, porque os papéis de homens e mulheres são delimitados muito cedo, impactando nessas escolhas.”
Vanessa Guitta, CEO da empresa Elas Projetam, consultoria de treinamento em gestão e inovação por meio do desenvolvimento de líderes do sexo feminino, ressalta a importância das mulheres potencializarem suas habilidades e competências pelo autoconhecimento e pensamento estratégico para conquistar melhores oportunidades.
“Precisamos saber fazer marketing pessoal. Muitas vezes, as mulheres têm 100% dos requisitos para uma vaga e não se candidatam, enquanto homens com 60% dos requisitos entram na concorrência”, lembra.
De forma geral, o número de profissionais disponíveis nas áreas tecnológicas é insuficiente. A Brasscom prevê que até 2025 devem ser criadas quase 800 mil novas vagas de trabalho na área de tecnologia, com déficit anual de 106 mil profissionais, chegando a 530 mil em cinco anos.
Para atrair mais jovens para a área, a associação desenvolve a iniciativa TechMe, que apresenta oportunidades que o setor oferece desde cursos técnicos e acadêmicos a experiências profissionais. Nesse projeto, Gallindo conta que vê, cada vez mais, meninas e jovens negros testando tecnologia e se dando bem.
Na avaliação do presidente da Brasscom, há duas abordagens de ensino para lidar com a escassez de mão de obra e aumentar a inclusão. Primeiro, a capacitação tecnológica promovida por organizações não-governamentais e edtechs. E segundo, o que, na Brasscom, chama-se estratégia Sigma TCEM (Tecnologia, Ciências, Engenharias e Matemática), que propõe que instituições de nível superior abram cursos livres para que alunos de Ciências, Engenharias e Matemática se capacitem em tecnologias.
Essa segunda opção seria uma saída confortável em relação à demanda por profissionais de tecnologia, gerando 237 mil profissionais a mais no mercado, com aptidão para também atuar na área de tecnologia, segundo Gallindo. A Brasscom já negociou a proposta com o Ministério da Educação, que se comprometeu em mobilizar institutos federais para adotar o Sigma TCEM, e também está apresentando a proposta a instituições privadas de ensino.
Gallindo aponta ainda que outro desafio para atrair mais pessoas para as carreiras tecnológicas é incorporar e massificar o ensino técnico, como acontece na Alemanha, em que 70% dos alunos têm esse nível de educação. Também é necessário tornar o ensino mais voltado para a solução de problemas reais. “Essas mudanças tornarão as áreas tecnológicas mais acessíveis a todos.”
Botaro reconhece que são necessárias políticas públicas que promovam o acesso e gerem oportunidades para grupos minoritários. No entanto, ela acredita que a responsabilidade maior recai sobre as empresas. Por isso, foi criada a Oracle Academy, que conta hoje com 4 mil instituições de ensino parceiras, para atrair jovens para a carreira tecnológica.
No Paraná, a Federação das Indústrias do Estado (Fiep) vai lançar no próximo ano o Programa Mulheres na TI, para formar mulheres residentes na Vila Torres, comunidade de baixa renda vizinha à instituição, para atuarem na área de tecnologia da informação.
Já a Brasscom disponibiliza, gratuitamente em seu site, currículos de referência para cursos de tecnólogos em tecnologia da informação, tecnologia da comunicação e telecomunicações, além de habilidades socioemocionais. “A ideia é fazermos o papel de farol para ajudar na formação desses profissionais”, ressalta Gallindo.
Mazé de Souza – Brasília
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