ConJur – Barroso e Candú: Segredos de negócio em operações de fusão – Consultor Jurídico
Por Pedro Barroso e Tathyana Candú
Apesar de não ser objeto de definição legal, o segredo de negócio é amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência. Vale dizer que sua aplicabilidade ganha respaldo, sobretudo, nas normas de repressão à concorrência desleal previstas na Lei da Propriedade Industrial [1], que consideram ilícitas condutas que importem na divulgação de informações confidenciais obtidas por meio de relações de trabalho ou contratuais e, ainda, por meio de fraude.
Mesmo não havendo um rol previsto em lei de informações passíveis de proteção via segredo de negócio no Brasil, há um consenso tanto na doutrina, quanto na jurisprudência de que qualquer informação que possua aplicabilidade no mercado e valor competitivo para uma empresa pode ser objeto de proteção por segredo, desde que não seja de conhecimento público ou evidente para um técnico no assunto. Portanto, pode-se constituir em segredo de negócio uma fórmula inovadora utilizada para a complexa fabricação de um produto ou uma lista de clientes estratégicos de uma empresa. Até mesmo alguma informação ou técnica não passível de proteção patentária, como por exemplo, um método matemático, pode ser protegido por segredo.
Não se pode olvidar, ainda, que a manutenção do sigilo da informação é um elemento chave na constituição de um segredo, devendo seu detentor demonstrar não apenas interesse em manter a confidencialidade, como também comprovar que adotou medidas razoáveis para sua preservação, tais como: assinatura de termos de confidencialidade, adoção de políticas de confidencialidade, armazenamento correto e seguro das informações, limitação do acesso àqueles que necessariamente precisam ter acesso às informações para a execução das atividades na empresa.
Pode-se dizer que o segredo de negócio não se constitui por um acaso, ele deve ser oriundo da efetiva intenção de seu detentor de possuí-lo e mantê-lo exatamente pelo valor comercial/competitivo a ele atrelado. Se por um lado a proteção do segredo de negócio é mais frágil do que a proteção patentária, tendo em vista que a simples revelação lhe retira todo o valor, o prazo de proteção pode ser extremamente mais alongado, na medida em que a proteção irá recair sobre a informação pelo tempo em que for efetivamente mantida em sigilo, mesmo que por um século.
Tendo em vista a amplitude do que pode ser passível de proteção por segredo e de sua potencial importância no contexto da atividade empresarial em um cenário cada vez mais competitivo, é preciso extrema atenção e cuidado dos operadores do direito com esse tema em operações de "fusão e aquisição". Isso porque, qualquer negócio, independente de porte e ramo de atividade, tem potencial de possuir informações sensíveis que possam vir a propiciar alguma espécie de vantagem competitiva, constituindo, portanto, um segredo de negócio. Sua relevância será ditada pelo mercado envolvido e interesse das partes.
Nesse cenário, a diligência legal deve ser vista como um importante aliado à negociação da operação de "fusão e aquisição", já que permite que as Partes forneçam ou obtenham uma fotografia dos cuidados adotados pela empresa a ser adquirida/investida. Essa fotografia pode constituir fator relevante para que a operação seja concretizada ou não — dependendo, é claro, da relevância dessa matéria para o negócio e expectativas da operação. Por mais que os advogados estejam aptos a auxiliar nessa fotografia, somente as partes, em muitos casos os técnicos das empresas envolvidas, poderão avaliar se o segredo de negócio constitui condição essencial para o fechamento da operação ou mesmo uma escusa para eventual negociação de valores.
Os contratos a serem celebrados em operações "fusão e aquisição" são também importantes aliados para que as partes possam regular questões relativas a segredos de negócio eventualmente adquiridos. Dependendo da natureza da operação e a relevância do segredo para as atividades da empresa adquirida, o contrato de compra e venda poderá prever não apenas declarações e garantias a respeito da informação confidencial, como ainda o estabelecimento de proibições quanto ao uso do segredo pelos vendedores, incluindo aplicações de multas em caso de infração. Afinal, em muitos casos, sobretudo atualmente em que parte considerável das operações envolvem ativos imateriais, a ausência do devido cuidado ao tema pode levar a relevante perda de valor dos ativos adquiridos. Por tal motivo, dependendo da organização interna da empresa adquirida, não é incomum que as partes estabeleçam condições precedentes ao fechamento da operação, com o propósito de regularizar a situação dos ativos protegidos por segredo por meio da assinatura de contratos, aditivos e/ou outras medidas, como, por exemplo, a adoção de uma política de confidencialidade.
Os segredos de negócio devem ser vistos como importantes ativos de propriedade intelectual para toda e qualquer empresa/negócio, sendo recomendável que sua importância para as atividades da empresa seja avaliada por ambas as partes antes mesmo de as negociações iniciarem, de modo que os documentos iniciais da operação, tal como o memorando de entendimentos, estabeleçam, de pronto, as expectativas das partes em relação a esse aspecto.
[1] O artigo 195, incisos XI e XII da Lei No. 9279/96 proíbem expressamente a divulgação, a exploração e o uso não autorizado de informações confidenciais, atitudes tipificadas como crime.
Pedro Barroso é sócio da área de Propriedade Intelectual no BMA Advogados.
Tathyana Candú é advogada da área de Propriedade Intelectual do BMA Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 12 de novembro de 2022, 9h12
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